CAMINHO AVENTURA - MORRO FERRABRAZ - JEFFERSON MATHEUS CASTRO
- Frederico Vilhar
- 22 de abr. de 2015
- 4 min de leitura
Correr provas de montanha não é nada simples. Quando o trajeto é cheio de subidas, a situação fica ainda mais complicada. E nessa hora que nós, corredores, temos que colocar no nosso vocabulário e aprender a respeitar uma palavrinha "mágica". ALTIMETRIA. Simples, quase auto explicativa. No dicionário: Técnica utilizada na medição de altitudes de um terreno. Mas é na prática que aprendemos, ou melhor, sofremos. A história do nosso amigo Jefferson Castro deixa isso muito claro. Fantástica experiência em um local bem conhecido pelos corredores de montanha do Rio Grande do Sul. Confere aí!

Morro Ferrabraz, Sapiranga/RS (19/04/2015)
Eu conhecia os riscos. Todo atleta que se dispõe a uma aventura imagina, de forma prévia, o quanto pode sofrer. Mas “por que tu corres? Para que tanto risco?” são questões que muitas pessoas nos fazem cotidianamente.
Conhecia a altimetria assustadora de 748m até a rampa de voo-livre do Morro Ferrabraz: até lá, entretanto, seriam aproximadamente 5km em aclive quase ininterrupto, numa prova que prometia 16km de aventura a quem se dispusesse a realizá-la Solo. Conhecia também minhas condições: estou acostumado com provas de até 25km em trilhas, com subidas fortes e descidas insanas.
Imaginar e conhecer são verbos importantes para um corredor, mas é sempre prudente lembrar que eles não definem absolutamente nada: cada desafio é Singular (com ‘s’ maiúsculo!) e representa uma vivência única de experimentação de si com o mundo. Ainda que se tenha diante de si um trajeto conhecido ou subidas já superadas noutras vezes, jamais somos os mesmos naqueles trechos e é apenas o “agora” que configura cada experiência.
Acordar às 5h de um domingo, quando nem mesmo o sol se atrevia a apontar no horizonte, não foi tarefa fácil e já ia delineando a experiência daquele dia 19 de abril (perfeito para uma indiada!). Havia dormido mal e estava numa semana de exames cardiológicos devido às dores que vinha sentindo nos treinamento das duas últimas semanas. Como a medicina não me vetou, fui intensificar a minha vida e testar o coração em Sapiranga/RS ao som de “O Teatro Mágico”: “[...] a vida anuncia que renuncia à morte!” era o refrão que tocava no som do carro em algum momento dos 80minutos de viagem.
Chegar cedo, buscar o kit junto à tenda da Wommer Running, comer as frutas que havia levado para o pré-prova e, claro, rever muitos amigos. Esse último elemento, AMIGOS, é mais da metade daquilo que define a minha ida ou não para uma prova: eu vou pelos encontros, que dão um tempero extra ao desafio e deixam tudo com um sabor especial de Vida. Até iniciar a aventura, o que vale é pensar na estratégia, bater-papo com quem manja do trajeto e se divertir para relaxar.
Contagem regressiva, corneta vibrando e muita gente apertando o start no GPS. Começada a corrida, a tarefa inicial é acalmar o coração e preparar a mente: lá vem a subida!, quando será que termina? Elevação aumentando e inclinação apertando. Muita (muita mesmo!) gente caminhando com menos de 1km de prova e o diálogo mental começa: adiante! Vem comigo, coração!. Conversei tanto com o coração que as panturrilhas precisaram me lembrar que também compunham meu corpo. A dor começou e o diálogo modificara: Até a curva! Não... Um pouco mais que ainda dá! É impressionante a conexão consigo mesmo que a corrida proporciona, principalmente quando se está com 2km de prova, puro aclive e se tem mais 3km de barganha psicológica entre mente e corpo para liquidar uma subida, afora os outros 11km a serem percorridos para a linha de chegada.

Subida Morro Ferrabraz - Sapiranga-RS (Foto: Síntia Ferreira)
Após essa vista incrível e a sensação literal de ter morrido e estar correndo nos céus, entramos numa trilha de mata muito fechada, solo encharcado, troncos atirados pelo trecho e 1,5km de descida nessas condições. Lindo, mas não para quem já estava esgotado! Pedras soltas me fizeram sentir uma entorse no tornozelo esquerdo e uma travada brusca para não atropelar uma atleta me fez jurar de pés juntos que havia estourado o joelho esquerdo. A inclinação da descida somada às condições do terreno não permitiam qualquer mínima segurança completa e dificultavam as tentativas de frear. Saindo da trilha, escuto um atleta falar para um membro da organização da prova: “Lá na trilha um cara de rosa ferrou o joelho. Tens que ir ver!” ao que respondo, com minha camisa Rosa: “Era eu. Obrigado pelo aviso, mas não precisa mais... Vambóra!”.
Nove quilômetros e meio ainda nos aguardavam. Descidas insanas, fortes demais. Pulmão retomando o fôlego e o pace dando sinais de que a corrida estava efetivamente começando, muito embora o corpo anunciasse que uma meia-maratona já havia sido cumprida com sucesso. Ora uma neblina baixa quase impedia que a visão fosse efetiva além de 6 ou 7 metros à frente do nariz, ora o sol castigava ainda mais o corpo já calejado. Uma ou outra subidinha ainda se arriscava a nos desafiar, mas seguíamos fortes. Depois de ser torturado, a gente fica mais forte: talvez não fisicamente, mas a mente fortalecida nos carrega adiante. E isso tudo tem a ver com o que pretendo com esse texto.
Comecei falando que todo atleta conhece e imagina previamente os riscos a que será submetido. O que não conhecemos é o sabor da superação de cada desafio a cada momento. Isso responde as questões que recebo no dia-a-dia, feitas sempre por quem desconhece as delícias de correr: submetemo-nos às mais insanas aventuras pela extrema curiosidade de descobrir o que a dimensão imprevisível da vida guarda para nós; pelo prazer insano de descobrir o sabor especial de cada vitória pessoal; e pela incrível capacidade que descobrimos ter de morrer numa prova e renascer sempre mais forte depois dela.
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