RUMO AO WORLD IRONMAN - ONIPA´A!
- Walter Tlaija
- 11 de out. de 2015
- 5 min de leitura
*Gurizada, a ideia é que esse texto seja um relato, informal e expontâneo, sobre a prova de ontem. Preferi fazê-lo logo, ainda com as sensações circulando pelo corpo e com a memória fresca. Vejamos o que sai.
Acordei me sentindo muito bem e animado, na manhã de ontem. Dormi bem, estava descansado e sem sono. Tomei meu café da manhã habitual, peguei a roupa de prova e alguns outros apetrechos e fui pra Kona, eu e meu irmão. Chegamos cedo lá, com bastante tempo para fazer a pintura do número nos braços, checar a bike, acertar os últimos detalhes na área de transição. Amanhecia, a largada da elite feminina estava por acontecer, eu ia encontrando amigos e conhecidos brasileiro, todo mundo com aquela energia e aquela tensão comuns aos minutos que antecedem a largada. Cada vez que eu falava com alguém, desejava boa sorte, trocava ideias sobre a prova, enfim, eu via o quanto eu estava tranquilo, calmo e concentrado. Isso me deixou confiante.

A natação aqui em Kona começa já de dentro d'água, com os atletas boiando, aglomerados, a uns 100m da terra firme. Eu não nado bem, mas mesmo assim prefiro largar na frente, pra não perder tempo e evitar ao máximo a pancadaria, mesmo sendo atropelado pelos atletas que vem de trás e que nadam melhor. Então, 10min antes da largada eu já estava lá, boiando, tentando não gastar muita energia, tentando achar uma boa posição. Consegui. O canhão soou, a brincadeira começou, e ao poucos fui encaixando a natação, sem pavor, sem susto, sem confusão. Tomei alguns chutes, perdi o óculos de um olho duas vezes, mas nada comprometedor. Na metade, quando contornamos um barco e iniciamos o retorno pra praia, eu já estava bem posicionado, longe da balbúrdia, evitando encrenca e focado totalmente na técnica e na respiração. Assim fui indo, me sentindo bem, e ciente de estar fazendo uma boa prova. Nao olhei o relógio dentro d'Água, mas sabia que estava nadando legal, sabia que ia sair da água com um bom tempo. Foi o que aconteceu. Peguei a bike satisfeito.

No ciclismo, levo em conta, principalmente, dois do inúmeros dados que meu ciclocomputador oferece: potencia média e frequência cardíaca. Treinei quatro meses andando a 210w e 150-155bc nos treinos longos. No IM Brasil, fiz 213w a 152bc de média. Ontem foi diferente. Ontem foi duro, foi muito sofrido, muito difícil, muito desconfortável. O ciclismo aqui castiga! A natureza mostra sua força, e fazer o que tinha sido planejado deixa de ser o objetivo. Minha frequência cardíaca já estava alta desde o início. Mais de 160bc. As pernas estavam ok, e a potência esteve em torno de 210w até aproximadamente o km 60. Mas eu sabia que não conseguiria – e que seria uma burrice fenomenal – continuar assim. Fui, então, tentando baixar o ritmo do coração sem aliviar os pedais. Obvio que é difícil! Me concentrei muito na técnica, na posição sobre a bike, tentei relaxar ao máximo e aplicar tudo que treinei. O calor era absurdo! O vento, em alguns trechos, sacudia os atletas! Estava sendo a maior selvageria que eu já tinha visto! A frequência cardíaca foi baixando, assim como a potência. No entanto, não desanimei. Fui caindo na real, compreendendo a dureza dessa prova, e deixando de lado o plano que tinha traçado. Fui, aos poucos, criando novas metas e estratégias.
A partir do km 140 comecei a sentir cãibras, ao mesmo tempo que me sentia bem mentalmente, confiante e animado. Curioso, não? Pois é...Comecei a ultrapassar muita gente. Alguns ainda pedalando bem, outros absolutamente detonados. Aliás, o que mais me impressionou aqui foi o nível do ciclismo. Os europeus, americanos, australianos pedalam muito! Muito! Nos primeiros 40km eu devo ter ultrapassado uns cinco atletas, no máximo, enquanto mais de 50 me ultrapassaram. É absurdo o pedal dos caras! Bom, entreguei a bike me sentindo organicamente bem, bem hidratado e alimentado, animado, concentrado, com dores nas pernas e nas costas, e ciente de que a pior parte estava por vir, e nela é que eu teria de ser forte.

Desci da bike com muita dificuldade. Quase não consegui correr na transição. Muita dor nos pés, nos dedos, nos tornozelos. Me aprontei pra maratona e fui, meio preocupado com meu estado muscular, admito, mas louco de vontade de correr e ultrapassar muita gente! No início foi assim, fui ganhando muitas posições, me sentindo bem, mas já com a certeza de que não daria pra pensar em tempo, em ritmo. Disparei o relógio só pra ter o registro depois, pois verificá-lo durante a corrida seria frustrante. Até o km 10 fui bem. Do 10 até o 15 fiquei muito assustado. Esse primeiro trecho é justamente no lugar mais quente (e quando eu digo quente, pensa em QUENTE!). Botei na cabeça que o mais importante, o que me faria completar a prova e que, talvez, fosse me dar um bom resultado de tempo, seria a hidratação, a alimentação e a ingestão de sais. Em cada posto de hidratação eu caminhava, pegava muito gelo e botava dentro da roupa, esponjas com água gelada, bebia isotônico e água, jogava água no corpo, respirava, concentrava e ia em frente. A coisa estava muito feia pro meu lado! Eu estava correndo, sim, e ultrapassando bastante gente. Mas percebia a dureza da prova, sentia os efeitos do calor e do vento, sabia que cada km que eu completasse seria uma vitória.
Assim fui indo até aproximadamente o km 25. Depois disso, me reergui. Corri bem rápido alguns quilômetros, por volta de 4’15”/km, e estava me sentindo o rei do universo. Lá pelo km 30 a cortina fechou de novo. Senti a sequela, senti a fadiga, dor muscular, dor nos pés. O que me mantinha em frente era ultrapassar muita gente. Gente conhecida, gente da minha categoria, gente de que nunca tinha ganho, gente com inúmeros IMs no currículo, inclusive aqui em Kona. Isso me deu força, muita força!

Faltando 10km eu comecei a fazer alguns cálculos. Gosto disso. Acho que é uma baita ferramenta, se bem utilizada. Calculei quanto eu precisava fazer até o fim pra fechar com menos de 10h. Ok, estava tudo nos conformes, e se nada muito feio acontecesse, daria certo. Faltando 5km eu lembrei dos dizeres do meu amigo Franco, no IM Brasil: “tu treinou para ESSE MOMENTO! Tu treinou para os últimos 5km! Agora vai!”. Lembrei disso e fui. Corria bem, abaixo de 4’30”, e sempre atento à alimentação e à hidratação. Encostava em cada atleta que eu iria ultrapassar, corria uns 100m com eles, grudado em suas costas, descansava, esquecia dor, esquecia fadiga, cansaço, calor, tomava fôlego e ia em busca do próximo. Assim fui indo até o último km. Calculei mais uma vez e vi que chegaria com menos de 9’55”. Fiquei feliz de mais!
Quem leu meus textos anteriores sabe quais eram minhas metas de tempo. Não foi como eu queria, nesse sentido, mas foi uma vitória imensa dadas as condições da prova. Fiquei realmente satisfeito quando olhei o relógio e corria os últimos 500m. A energia da galera é alucinante! É de arrepiar! Ver meu irmão, meu parceiro máximo, na reta de chegada, é indescritível. Foi tudo muito lindo!
Enfim, foi a coisa mais legal que já fiz na vida. To absolutamente satisfeito. Voltarei aqui, um dia, para cumprir metas mais ambiciosas, para arriscar mais. Por ora, valeu! É isso aí! Meu agradecimento especial àqueles que me ajudaram e acreditaram em mim, que não foram poucos! Um beijo enorme pra incrível Verônica Bardini, minha treinadora. Essa conhece! Valeu pela força de todos vocês, muito obrigado, e que venham os próximos desafios. Onipa'a!

Walter Tlaija é triatleta, gaúcho, e se classificou para o Mundial Iron Man 2015 em Kona, no Havaí. Colunista do CORRER É FÁCIL, ele escreve sobre os seus treinos e preparação para esse que será o maior desafio da carreira dele.


























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