ENDURANCE CHALLENGE CHILE - CLEIMAR TOMAZELLI E SABRINA SCHIRMER
- correrefacil
- 20 de out. de 2015
- 6 min de leitura
CLEIMAR TOMAZELLI
O Endurance Challenge Santiago do Chile é uma prova totalmente diferente das demais. Primeiro porque é realizada em um país diferenciado, com paisagens encantadores, num terreno extremamente hostil e que ao mesmo tempo que te esgota fisicamente durante cada metro da prova, também proporciona e te dá em troca momentos que jamais sairá da cabeça de quem tem o privilégio de correr na Cordilheira dos Andes.

A prova teve 5 distâncias distintas: 10 km, 24 km, 50 km, 80 km e 160 km. Todas com particularidades distintas. A distância de 10 km era a única que podemos dizer que era "tranquila", pois não exigia tanto dos competidores e o desnível altimétrico positivo (subida) não passava de 300 metros. Feito justamente para os iniciantes na montanha. Agora, dos 24 km pra cima foi pancadaria pura.
Eu corri os 24 km. Lembro que quando cheguei no 12° km, na metade da 2° montanha, o desnível altimétrico positivo já estava marcando 1000 metros. Ou seja, é como estivéssemos subindo a Lucas de Oliveira 20 vezes ininterruptamente. E ainda faltavam mais 12 km pela frente de muitas subidas e descidas técnicas, porém, com um visual incrível da cidade de Santiago lá embaixo. Tive que alternar trotes e caminhadas por vários momentos durante a subida da 2° e 3° montanha, pois as pernas já acusavam o extremo desnível da primeira metade.

A subida mais íngreme de todas foi entre o 17° e 18° km, onde só nesse km o desnível foi superior a 200 metros. Ao chegar no topo, a mais de 1650 metros acima do nível do mar, vi o tamanho da bronca que tinha acabado de superar, pois mal conseguia ver a cidade de Santiago muito pequena lá embaixo. Daí para frente foi só, literalmente, despencar montanha abaixo, passando por trilhas bastante perigosas e desafiadoras na beira do precipício. Ao chegar no último posto de controle, no 21° km, já estava a 1000 metros de altimetria, mas soube que ainda faltava subir e descer uma pequena montanha, parecida com o Morro do Osso, em Poa, mas que aquela altura já se transformava no Everest, tamanho o desgaste que já sentia. Consegui superar aquele último obstáculo com bastante dificuldade e concluí a prova de 24,2 km, com 3h14min48seg.
Informações sobre essa distância:
Altimetria mínima: 911 metros
Altimetria máxima - 1650 metros
Desnível positivo - 1602m
Desnível negativo - 1602m
Postos de controle e abastecimento - 3 (8° km, 14,5 km e 21 km) Distância: 24,2 km
Km mais rápido - 4'04"/km 24° km
Km mais lento - 16'00" (17° km) Tempo dos 3 primeiros lugares - 2h17min / 2h25mi / 2h27min
Tempo do último colocado - 7h04min Ainda tivemos as distâncias extremas de 50 km, 80 km e a insanidade de 160 km.
Porém, apenas recomendo fazer uma dessas distâncias maiores para aqueles com muita bagagem de montanha, pois o percurso não irá minar todas as forças que estiverem estocadas. Espero no ano que vem voltar, pois a prova é magnífica e diferente de todas as que tem no Brasil. Vale cada centavo investido.
SABRINA SCHIRMER
Esse ano começou forte. No primeiro semestre participei de duas ultramaratonas na Argentina. La Mision Race com 160 km de 8000 de altimetria acumulada e Patagonia run com 120 km e 7000 de altimetria acumulada . Os treinos foram puxados e ambas as provas desgastantes .Resolvi então, para o segundo semestre, escolher uma prova mais “light”... no melhor estilo “ just for fun. Logo de cara me encantei com a North Face Endurance Challenge Chile 80 km. Era a oportunidade de conhecer o Chile da melhor maneira possível: correndo!

A quilometragem da prova era relativamente pequena (acredite, parece papo de louco, mas para quem corre 160 km fazer 80 passa bem rapidinho).Logo que a organização divulgou a altimetria achei tudo ok. 4000 de altimetria acumulada me pareceu interessante. No entanto um mês antes a organização divulgou tabela com os horários de corte e percebi que o furo seria mais em baixo...
Chegamos em Santiago três dias antes da largada. Nosso grupo de gaúchos estava animado com a participação no evento. Tiramos o dia apara passear sempre de olho na Cordilheira ao longe. A temperatura estava agradável, entre 7 e 20 graus .Achei um pouco quente durante o dia... apesar da temperatura na alta montanha ser mais baixa , já sabia que 20 graus no sol representaria sofrimento na prova( eu pelo menos prefiro correr no frio).
Retiramos os kits de prova na loja da North Face .Achei bem legal, principalmente uma tatuagem com o percurso da corrida.

Chegado o grande dia! 3:30 da manhã estávamos lá... fazia frio, muito frio. Percebi que tinham muitos corredores, mas até então não sabia o número de exato de participantes nos 80 km.
Larguei em ritmo relativamente forte pois tinha a preocupação com os horários de corte. Aproximadamente em 5 km começamos a subir, o frio desapareceu. Quanto mais subíamos , mais avistávamos ao longe a cidade de Santiago toda iluminada ao fundo. Linda!!! Gosto muito de correr a noite. Se você tiver uma boa headlamp tudo se resolve. Apenas tem que entrar no clima e sentir o astral da montanha. Não se consegue visualizar o cume e isso diminui o sofrimento. Ao chegar no topo da primeira montanha senti que estava bem . Ultrapassei várias pessoas na subida e nem precisei usar os trekking poles ... entrei no ritmo da prova!
As marcações do caminho estavam excelentes. A organização disponibilizou antecipadamente o percurso para baixar no GPS. Ficava impossível de se perder, mas infelizmente fiquei sabendo que alguns atletas cometeram este erro crucial , provavelmente estavam com o foco na belíssima paisagem... única!

A cada posto de controle staffs extremamente atenciosos .Tínhamos comida e bebida sempre disponível. Eu praticamente me abastecia de líquidos. Já tive experiências ruins com alimentos nas provas, então, sempre opto por carregar o que vou comer. Isto ficou fácil nesta prova, já que os itens obrigatórios exigidos para carregar na mochila eram poucos. Mochila leve facilita muitoooooo.
As horas foram passando e a cada cume da montanha um visual compensador. Cordilheira dos Andes. Jamais esquecerei o nascer do sol, indescritível, um festival de cores. Alguns atletas pararam para tirar fotos, eu não, estava muito focada no meu objetivo e nenhuma foto seria capaz de registrar a visão de 360 graus com a mesma magnitude.
No km 32 tínhamos o primeiro corte as 10:25, consegui chegar as 10:15 min e sabia que tinha muita gente atrás. Dali para frente uma boa jornada, o próximo corte seria no km 58,5, e eu tinha até as 14:55 para finalizar este percurso com praticamente toda a altimetria da prova vencida. As duras descidas desafiavam os joelhos de qualquer mortal.
A prova foi montanha pura, sobe muito e desce muito, onde não da para correr sobrevive quem consegue realizar um trekking forte com auxilio dos bastões. Para não pegar o corte, corri o mais rápido que pude e cheguei lá a menos de 8 minutos do limite exigido, sabia que iria pagar o preço mais tarde. A exigência para fugir do corte me deixou enjoada e não conseguia mais comer... começou o sofrimento.
Me restavam 21 km e se iniciou o desafio mental. O desafio de ir mais longe, de vencer meu próprio limite. Esta distancia virou uma eternidade, o calor aumentava a sensação de esforço e a cada curva eu pensava, ali vai descer... depois da curva vai descer e nada, era só subida. Sabia que tinha até as 19:00 para finalizar era trabalhar a cabeça e seguir em frente.

Ao longe comecei a escutar uma música, sabia que estava perto. Incrível com a cabeça da gente de leva ao longe. Pensei no esforço dos treinos, nas madrugadas que acordei as 4:30 da manhã, nas horas longe da família e simplesmente corri, corri muito! Parece que a energia voltou, às 18:49 cruzei o pórtico de chegada, venci meu desafio. Corro a mais de 15 anos e cada prova que termino sinto uma emoção diferente. Chorei pela vitória. Cheguei destruída, mas de corpo e alma lavados.
Fui a única brasileira que completou os 80 km e finalizando em 9 lugar no geral feminino. No fim da prova falei que não queria mais correr, mas como todo bom corredor depois de uma noite de sono já mudei de idéia. Que venham mais ultramaratonas!!
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