MARATONA DE NOVA IORQUE (NYC MARATHON) - ANA GORINI DA VEIGA
- correrefacil
- 2 de nov. de 2015
- 7 min de leitura
Vir morar em New York e não estar inscrita para a maratona me deixou inconformada, tenho que confessar. Por um lado, não havia planejado porque meu foco era o projeto de pesquisa no Hospital Mount Sinai, e também porque havia corrido o Desafrio Urubici (53km) e o K42 do Indomit Vila do Farol em Bombinhas. Duas provas longas no mesmo ano já era muito para o que eu estou acostumada, portanto encarar mais uma maratona de asfalto logo em seguida seria exagero.
Mas, por outro lado, é New York, a maior maratona do mundo, a mais difícil entre as majors! A prova passa na esquina da minha casa e do trabalho, na 5th Avenue, então eu estaria ali, vendo tudo acontecer sem poder participar. Pensei até em viajar no final de semana da prova pra não ter que passar por isso.

Como se para aliviar o recalque, me inscrevi na Grete’s Great Gallop Half Marathon, que foi em outubro, e até corri a 5th Avenue Mile em setembro! (logo eu, que nem 5km gosto de correr). Já havia me conformado com o papel de espectadora, quando surgiram umas inscrições de brasileiros que haviam desistido devido à alta do dólar. Não pensei duas vezes e me candidatei! Enviei os documentos no dia 2 de outubro, no dia 16 fiz o primeiro treino de 32km da minha vida, e dia 21 recebi o email de confirmação com informações sobre meu bib number, horário de largada, transporte, etc.
Porém, foi somente na véspera da prova, a caminho da Marathon Expo, que a ficha caiu. A cidade estava invadida por corredores, de todas as idades, nacionalidades, etnias, estilos, cores, alturas, pesos, belezas, idiomas. Difícil ver alguém de sapato que não fossem running shoes, casacos que não fossem coloridos, sacolas que não fossem dessas que dão em provas.

Apesar dos meus 23 anos de corrida, tenho poucas experiências em provas grandes. A maior foi a Maratona de Paris, em 2002, ano em que mais de 28 mil corredores completaram a prova. Ano passado, 50.530 corredores cruzaram a linha de chegada no Central Park. Este ano foram cerca de 50.300 corredores, É mais do que o Estádio Beira Rio lotado e quase uma Arena do Grêmio completa. É muita gente. Então imaginem o que é a Marathon Expo, na qual vão não apenas os corredores, mas familiares e amigos. Muvuca geral.

Depois da Marathon Expo no sábado, ainda tive que passar no laboratório para trocar o meio de cultura de umas células, depois fui pra casa, fiz uma massa e tentei dormir. O horário de verão terminou bem na madrugada, então tinha 1h a mais pra descansar. Ainda assim, antes das 4h acordei, tomei café, me alonguei, e peguei o subway até a Public Library, de onde saíam os ônibus. O corredor podia escolher ônibus ou balsa (ferry). Incrível a organização! Imaginem colocar 50.000 pessoas em ônibus e ferry. Maior fila, mas não lembro de ter parado nem um minuto. Quando todo mundo respeita, a coisa anda – diferente de quando tem espertinhos querendo furar fila, o que acaba atrasando tudo. Depois de cerca de 30-40 min, o ônibus chega na Staten Island, local da largada.
A logística é complexa. Às 8h30min tem a largada dos cadeirantes, depois de atletas com deficiências às 8h52min. A elite feminina larga às 9h20min, e os demais largam em 4 waves: wave 1, que inclui elite masculina e sub-elite, larga às 9h50min; wave 2 às 10h15min; waves 3 às 10h40min; e wave 4 às 11h. Cada wave, por sua vez, é dividida em 3 cores (azul, verde e laranja) e cada cor é dividida em várias letras, de acordo com o tempo estimado de prova. Então no bib number (número de peito) cada atleta tem a informação sobre sua wave, a cor e a letra.
Cada cor tem sua village, onde ficam os caminhões de guarda-volumes, tendas para abrigar os atletas, inúmeros banheiros químicos super limpos e com papel, bancas distribuindo barras de proteína, bagels, café, chá, chocolate quente. Tudo muito bem organizado e sem nada de filas. O chato é que tem que deixar a bolsa no guarda-volumes com bastante tempo de antecedência, então levei umas sacolas e vesti como se fosse um casaco. Ainda me atrapalhei no horário e deixei minha sacola 1h antes do tempo limite, achando que já fosse 8h (com a troca de horário, ainda era 7h da manhã). O limite de entrada no meu corral era às 9h, e até às 9h50min tem que ficar tentando se manter aquecido e puxando papo com demais corredores pro tempo passar mais depressa. Dentro do corral também tem banheiros químicos.

Por volta das 9h35min fomos direcionados para baixo da ponte Verrazano Narrows Bridge, onde seria a largada da zona verde. A zona laranja largava em cima da ponte e a azul um pouco mais pra esquerda (quem quiser maiores informações, acessa o site da prova, http://www.tcsnycmarathon.org).
O primeiro quilômetro já é subindo a ponte, portanto não tem como ir muito rápido. Depois comecei a acelerar, mas muito além do que estou acostumada em treinos e em provas. Como estava me sentindo bem, não dei bola pro GPS e segui no ritmo que fisiologicamente me senti bem. Depois que passa a ponte, começa a entrar nas ruas do Brooklyn e a multidão de espectadores nas ruas é impressionante. A energia das pessoas, de todas as idades, é indescritível. Música por todos os lados, bandas, cartazes, gritos, torcida. As mãos das crianças esticadas esperando serem tocadas por um corredor, pessoas distribuindo frutas e bebidas. Muitos cartazes com frases de estímulo, frases engraçadas, brincadeiras. Um deles parecia direcionado pra mim: “Toe nails are for wimps”. Eu dava risadas o tempo todo.
Somente no quilômetro 5 os corredores da zona verde encontram os corredores que largaram nas zonas azul e laranja, já próximo da 3rd Ave do Brooklyn. Dali em diante é uma massa de gente correndo (vale lembrar que ainda era a wave 1, depois viriam as waves 2, 3 e 4!).
O percurso pelo Brooklyn em direção ao Queens tem vários aclives e declives leves, sendo o principal por volta do quilômetro 13,5. Mas nada se compara à subida sofrida da Queensboro Bridge, que liga o Queens a Manhattan. Apesar de não ser tão íngreme nem tão longa como a Verrazano Narrows Bridge, essa ponte começa por volta do quilômetro 24,5, quando as pernas já estão cansadas e ainda faltam 18km para terminar. Foi na Queensboro Bridge que fiz meus piores tempos: 4:26 no km 24, 5:18 no km 25 e 4:46 no km 26. Felizmente me contive e poupei um pouco as pernas, conseguindo recuperar depois. Porém, ainda viriam duas pontes, que ligam Manhattan ao Bronx. O que salvou foi uma senhora com um cartaz que dizia “Last damn bridge!”, arrancando novas risadas minhas.

De volta a Manhattan, o percurso começou a se aproximar da minha casa, chegando finalmente na 5th Avenue. Nova subida “básica” perto do km 37, e pra piorar dava pra ver meu prédio, vontade de ficar por ali mesmo. Felizmente ouvi o Giorgi, amigo e colega do laboratório (que também é corredor mas não correu a maratona) gritar meu nome da calçada em frente ao hospital Mount Sinai, e em seguida a Lisa e o Ryan, também do laboratório, gritando e tirando fotos, o que me deu um up no ânimo e estímulo pra levantar a cabeça e seguir em frente. Faltava pouco. A cada bip do GPS o sorriso crescia.
Entrando no Central Park me senti em casa. Há menos de 2 meses aqui, já conhecia bem o final do percurso. Teria um bom declive perto do Metropolitan Museum of Art, depois uma parte plana na Central Park South, e depois o final seria uma subida leve. Fechando o quilômetro 40 com quase 2h50min, me dei conta que poderia baixar de 3h. Ainda assim, vendo corredores parando nos quilômetros 40, 41, não quis arriscar acelerar muito e correr o risco de ter um apagão ou fortes câimbras (elas ainda viriam depois…).
Fiz a curva pro Central Park West próximo do quilômetro 42, com 2h57min. Ali o cansaço foi derrotado pela alegria, sensação de incredulidade. Vi a linha de chegada, corri pra ela, gritei, queria abraçar o mundo. Fui caminhando com o Saron, outro corredor brasileiro que tinha largado comigo, me ultrapassado e depois acabamos chegando praticamente juntos. Comecei a sentir câimbras, inicialmente leves. Alguns voluntários me direcionaram para uma tenda de atendimento médico, na qual fui atendida prontamente por cerca de 5 pessoas.

Me colocaram numa maca, mas bastou me sentar para que os aliens que habitam as panturrilhas se manifestassem. Vocês não sabiam? Sim, existem aliens dentro das panturrilhas. Eu também não sabia, mas juro que ontem eles fizeram a festa. Corriam para todos os lados, causando uma dor indescritível. Eu gritava como se tivesse dando à luz (comentei isso mesmo com os médicos e fisioterapeutas que estavam me atendendo: que eu nunca tinha dado à luz, mas que deve ser uma dor parecida). Nada conseguia controlar a dor e meus berros. Tentavam alongar as panturrilhas, daí os alienas vinham pra parte da frente (tibial); dali, corriam para meus pés. E fizeram a festa!

Queriam me dar Tylenol ou qualquer outro remédio mas eu não aceitei, pedi só sal e isotônico, e mais uns pretzels para repor o sal. A dor passava, depois de 3 minutos os aliens voltavam. Demorou uns 30-40 min para eles finalmente se aquietarem e me deixarem em paz.
Então começou a minha caminhada até o guarda-volumes. Essa parte também foi inesquecível. A ficha começou a cair, e com ela as lágrimas. Eu chorava de soluçar de tanta felicidade. Novamente as pessoas – não apenas os voluntários, mas outros corredores – vinham oferecer ajuda e perguntavam se eu precisava de algo, daí eu explicava que estava feliz demais! Daí me abraçavam e quase choravam junto. Pensei demais nas pessoas que sempre me estimularam na vida e na corrida. A primeira pessoa pra quem eu liguei foi o Rodrigo Tomazelli. Ele, mais do que ninguém, entenderia minha felicidade. Claro que queria falar também com meus pais, mas eles não entendem a emoção de terminar uma maratona, uma maratona desta magnitude, e ser “sub-3”, ainda mais depois de ter ouvido tantas vezes que jamais poderia fazer prova longa novamente por causa dos meus problemas de coluna.
Então liguei pro Rodrigo, chorei mais, falamos longamente ao telefone. Desliguei, chorei mais, liguei pro meu pai, pra minha mãe. Segui chorando e sendo acudida pelos corredores que passavam. Cruzei o parque a pé, a multidão de corredores e espectadores seguiam na 5th Avenue (continuei ouvindo gritos até perto das 18h, da janela de casa) e fui pra festa! Festejei com minha amiga Ana Moralles, que mora aqui em NY, com a Lisa e o Ryan. As ruas, metrô, bares, restaurantes, pubs, tudo tomado por gente com medalha no pescoço, e assim os corredores se reconhecem, se cumprimentam, e se conhecem. Os não-corredores parabenizam quem ta de medalha no pescoço, enfim, festa geral.

Consegui baixar a adrenalina por volta das 2h da manhã, mas antes das 5h já estava de pé pra responder mensagens, emails e para escrever este texto. Agradeço muito a quem sempre me incentivou nos treinos, ao Everton Larrondo que conseguiu o contato pra inscrição na prova, aos amigos e família que sempre torcem por mim!!
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