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DIÁRIO DE UMA EX-GORDA - RESERVE SEU ESPAÇO

  • Rosane Schotgues Levenfus
  • 18 de nov. de 2015
  • 3 min de leitura

A pista de corrida que acompanha a ciclovia, na orla do Guaíba, estava quase vazia naquela fria manhã de sábado. Talvez porque a recém iniciara o horário de verão, os únicos que corriam por ali, tão cedo, eram atletas e amadores fardados com camisetas de suas equipes. Mas a matina também tira da cama os idosos e alguns deles refestelam-se com o frescor da orla.


Dessa vez passei, também, por uma gestante, caminhando forte com seu umbigo despontando pela camiseta esturricada. Um que outro mendigo já abandonara o leito de papelão e, sonolentos, famintos, ziguezagueavam sem norte. Foi então que veio, na minha direção, uma moça correndo e buscando o celular dentro de uma pochete.


Parou para atender. E eu logo pensei: mas que coisa, as pessoas não desgrudam do telefone nem durante o treino. Essa emergência de conversar com amigos, talvez sobre a noitada de ontem ou sobre a festa de hoje. Mas, no passo seguinte, ouvi um Oi, filho... E perdoei a todos que treinam com celulares a postos. E a mim mesma, que já parei treino para atender a chamados.


Essa geringonça móvel é o que permite a muitos abrirem espaços em agendas para cuidar um pouco de si próprios. Ou mesmo para se divertir. Imaginei a cena. A mãe estaria cansada e louca para dormir um pouco mais no final de semana. Mas sabendo que, quando o filho pequeno acordasse demandante, pouco espaço haveria para ela própria, decidiu aproveitar para correr antes do filho despertar. Precavida, à noite, avisou ao menino que se ele acordasse e não visse a mãe em casa, é porque foi treinar, mas já volta.


Ela sabe que não precisa se preocupar, afinal ele não ficaria sozinho. O pai trabalha aos sábados, mas a babá de confiança chega cedo, antes mesmo dela sair. O pequeno fez sua manha, perguntando porque a mãe não ficava em casa.


Ela pensou em dizer que precisava treinar, pois faz bem à saúde. Ou que desejava emagrecer um pouco, mas essa hipótese estava fora de cogitação, pois o menino dizia que a mãe era a mais bonita do mundo. Resolveu dizer a verdade, que é porque gosta de correr, porque é divertido para ela, ajuda a relaxar e que na volta estaria cheia de energia para levá-lo à pracinha.


E se eu acordar com dor de barriga, perguntou ele. Ouviu o que já sabia, que sempre que acontecesse alguma coisa muito séria e importante ele podia telefonar até para o seu trabalho. E, com cinco aninhos, ele sabia de cor e salteado os números necessários.


Assim, ao perceber que a ligação vinha de sua casa, sentiu-se na emergência de atender ao primeiro toque. Aquele "- Oi, filho!", podia não ser nada demais. Podia ser apenas desejo de ouvir a voz da mãe, de certificar-se de que saíra e retornaria conforme combinado. Mas me perseguiu. E correu comigo durante o restante do treino, até transbordar aqui.


São muitas as mães que abandonam seus afazeres quando os filhos nascem. São muitas as que param de trabalhar dizendo que querem acompanhar de perto cada detalhe do desenvolvimento do filhote quando, na realidade, habita em seu coração uma enorme insegurança e culpa por qualquer coisa que venha a acontecer durante sua ausência.


Se há muitas que abandonam o trabalho, imagine o lazer e a atividade física! Se é preciso fazer força muscular para impulsionar o corpo no treino, também é preciso força emocional para retomar as atividades que tinha antes e empurrar os filhos para a vida, assim como a mãe passarinho empurra os filhotes para fora do ninho.


O celular, mesmo sem aquele fio enroladinho que os telefones de antigamente tinham ligando o gancho ao aparelho, não deixa de representar uma espécie de cordão umbilical que torna mais tranquilo e possível o afastamento. Então, comemoremos a possibilidade de dar aquela paradinha para atender a chamada e prosseguir o treino sem carregar sobrepeso na consciência!


Voltar feliz para casa, cheio de energia para acompanhar as crianças, é uma forma de compartilhar com a família os benefícios do esporte.





Rosane Schotgues Levenfus é Mestre em Psicologia Clínica e Especialista em Neuropsicologia. Corredora há três anos, a psicologa é autora do livro Diário de uma ex-gorda e escreve crônicas motivacionais aliando corrida e força de vontade no Correr é Fácil.



 
 
 

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