ESPECIAL CASSINO ULTRA RACE - VLADMI VIRGÍLIO DOS SANTOS
- Vladmi Virgílio dos Santos
- 25 de nov. de 2015
- 7 min de leitura
No inicio do ano fiquei sabendo que haveria uma ultra maratona que percorreria toda extensão da maior praia do mundo, o Cassino, situado em minha cidade, num percurso de cerca de 230 km. Na mesma hora pensei, "Maravilha!! Vou nessa com certeza!!" Eu estava treinando na época para os 250 km no Deserto de Gobi, na China em maio e para os 250 km da Roving Race Equador em julho, portanto fisicamente meu corpo estava preparado para este desafio em novembro, restava preparar a mente. Por que a mente? Porque como se tratava de uma ultramaratona percorrendo toda orla da praia, eu tive a ideia de fazê-la sozinho, sem o auxÍlio de nenhum atleta-guia, decidi me guiar apenas pelo som Das ondas do mar ou pela própria água.

Para isso, treinei muito meus sentidos na praia do Cassino, ouvindo as ondas, entrando no mar com água na altura dos tornozelos e me preparando psicologicamente para enfrentar isso durante 230 km, dia e noite, calor e frio, fome e sede além de todos obstáculos físicos e da natureza impostas todo tempo. Foram cerca de 8 meses treinando só ou com amigos aqui de Rio Grande que também participariam da CUR, como o Marcio, o Ronner e o Paulo. Também fizemos uma espécie de checagem de toda extensão dos 230 km do percurso desta vez dentro de um veículo especial, um caminhão adaptado para este tipo de excursão, juntamente com os amigos e com o reforço da Vera Nunes, podemos dormir no farol do Albardão e correr alguns trechos diferentes da prova e naquele momento senti o que nos esperava em novembro e percebi que precisaria de muito mais preparo, principalmente dos meus sentidos.

Passado todos os meses que antecediam a ultramaratona, fui para o Chuí dois dias antes da largada a fim de descansar e me concentrar, coisa que foi definitivamente impossível pois a ansiedade já dominava o clima de todos nós. Nestes dias antes da prova pude fazer muitos amigos e sentir seus corações e suas expectativas, também dei algumas dicas para os atletas de fora pois nós da cidade conhecíamos a praia e os ventos que lá sopravam, muitas vezes muito forte, cercado de areia e frio a noite. Pude dar uma dica especial as mulheres que correriam, falei que as mesmas procurassem a companhia de outros atletas no periodo da noite, pois elas sozinhas seria muito perigoso.
Um dia antes foi nos oferecido um grande almoço pela prefeitura de Santa Vitória do Palmar, local da largada da CUR, após escutamos atentamente todas informações do congresso técnico e fui para o meu quarto de hotel tentar dormir e relaxar, não preciso dizer que isto não aconteceu. A largada seria ás 06:00h e já ás 03:00h eu já estava de pé, procurei tomar um banho e massagear a musculatura, depois fui para o café da manhã abastecer o corpo de energia.

Saí do hotel ao lado dos amigos Iva e Mauricio, ambos de Florianópolis, em direção ao local onde seria realizado o check in obrigatório da mochilas com o equipamento a ser usado durante toda a prova. Todos muito anciosos mas bem humorados, caracteristica de todos os ultramaratonistas. A poucos minutos da largada, todos nós revisávamos a estratégia individual e desejávamos boa sorte a todos. Ali me batia uma espécie de medo e alegria, sabia que após o tiro de largada seria apenas eu e Deus durante 230 km.
Após a tradicional contagem regressiva para a largada todos partem rumo a 230 km mais adiante nos Molhes da Barra de Rio Grande, muita alegria nos primeiros metros e desejos de boa sorte, o sol começava a aparecer dando um sinal de como seria o dia de prova. Aos poucos os corredores foram se afastando de mim, decidi largar caminhando num pace relativamente baixo, mais ou menos 7km/h, precisava me adaptar a praia, as ondas e ao mesmo tempo sabia que deveria poupar energia para o que me esperava a noite, entrar na madrugada desgastado e com sono não seria nada bom. Intercalei corrida na água e na areia, na realidade havia momentos em que a maré estava mais alta e sem perceber lá estava eu com água acima dos tornozelos, enxarcando todo o tênis e meias.
Depois de uns 12 kms acabei batendo forte com o pé em tronco que estava na beira do mar, com isso desarticulei um dos dedos do pé esquerdo e fui obrigado a retirar meus tênis e colocar minhas sandálias Crocks que estava reservada para mais adiante. Na realidade foi um alívio pois meus pés já davam sinal de dor devido ao tênis molhado e pesado. Lá segui eu com minha Crocks e muito ânimo de estar conseguindo superar cada metro da praia sem um atleta guia ao lado, sentia muito orgulho de mim mesmo. Não me importava a colocação bastava completar!!!

Em pouco tempo já estava passando por alguns competidores que haviam saído mais forte do que eu, "um passo mais dizia para mim mesmo!" O sol estava forte e quente, tomava o cuidado de estar sempre me hidratando e controlava isso me orientando de quantas vezes eu parava para urinar, quanto mais eu urinava mais sabia que meu organismo estava bem. Quando eu já havia percorrido cerca de 30 km um dos competidores se juntou a mim, o meu mais novo amigo Pedro Paulo, de Belém do Pará. Com o cuidado de que ele não me orientasse, seguimos juntos rumo ao posto 1 que ficava no km 54, neste meio tempo trocamos experiências, ele ficou me falando de como começou a correr e que agora como para mim, correr faz parte de sua vida.
Chegamos ao posto 1 eram 14:20h da tarde, dentro do que eu havia planejado, sem esforço e com tempo de sobra do limite que tínhamos na prova, aproveitei para reabastecer minhas garrafas de água, me alimentei comendo um carreteiro feito pelos militares do Exército, diga-se de passagem, estava excelente, e imobilizei o dedo desarticulado bem como colei a unha que estava caindo. Feito isso, lá fui eu de novo enfrentar toda aquela areia e mar que nos cercava um pouco depois saiu também o Pedro para me encontrar. Agora nosso próximo objetivo era chegar no posto 2, situado no Farol do Albardão no km 89.

Alguns kms depois se junta a nós o Igor de Goias, gente muito boa e que idealizou uma polaina fantástica para que não entrasse areia nos seus tênis, totalmente costurada na sola do mesmo e com um sistema de feiche para tirar e colocar. Sensacional, inclusive já encomendei uma para ele a fim de usar na minha proxima ultra no deserto.
Começou a aumentar o vento aos poucos e a areia tocava nosssos rostos com mais força, o caminho era longo mas nossa determinação ainda maior e chegamos ao Farol no km 89 eram 20:40h, também com muita folga. Ali resolvi descartar todo peso extra da mochila, deixando apenas o equipamento obrigatório, também vesti minha calça térmica, touca e jaqueta de chuva. Algo no meu calcanhar encomodava e pedi para a Maria Vargas, organizadora e médica da prova olhar. Ela constatou que haviam lascas de conchas dentro do meu pé que pelo fato de estar usando sandálias facilitaram sua entrada, então ela e o Dr. Fisio, usaram agulhas para retirar e depois fazer um curativo.

Após comer e beber e abastecer minha água de novo, parti rumo ao posto 3 que se enconttrava no km 132, para meu espanto já estava chuvendo fraco e o vento muito mais forte. Na compania de Pedro, da Tomiko e da Marilice fomos de maneira cautelosa pois a chuva já se fazia muito forte e com muitos raios e trovões nos cercando, parecia um filme de terror. Eu escutava todo aquele som da tempestade com o vento nos machucando e pior ainda, nos congelando e mesmo assim nos mantinhamos firme rumo ao km 132.
Pouco depois passa por nós na direção contrária um competidor abandonando a prova devido ao clima e a escuridão da praia. Aliás, este era o maior problema dos corredores, eles não conseguiam se orienter de maneira fácil, alguns andavam em zig zag pela praia, outros estava nas dunas ou procurando marcas de veículos pela areia na esperança de facilitar a orientação. O problema era que a chuva estava muito forte e o vento apagava tudo. Eu seguia na mesma orientação, o barulho das ondas ou sempre o pé direito na água, indicando a direção correta.

Próximo ao km 120, Pedro avistou luzes vindo em nossa direção e a principio achou que era um veículo da prova, porém ao chegarmos mais perto percebemos que eram um grupo de 4 competidores vindo na direção errada da ultra, um deles, uma competidora estava com síndrome do Pânico e muito desorientada, conduzida pelos outros atletas também perdidos devido a toda situação. Corrigimos sua direção e seguimos todos juntos rumo ao posto 3, mas 6 km adiante um caminhão da prova nos para e diz que a Ultramaratona estava cancelada devido ao alto risco de morte com toda aquela tempestade.
Relutei um pouco ao entrar no caminhão assim como os outros colegas mas nada havia a ser feito diante de atletas com princípio de hiportemia e outras complicações. E ali estava encerrada minha participação e de todos os outros atletas que não chegaram ao posto 3, muito triste pois queria continuar, sentia-me bem e confiante que faria um bom tempo.

A frustração era grande, confesso que me senti muito encomodado com a decisão da organização, natural pois havia treinado durante meses. Passado tudo, no outro dia entendi melhor toda providência tomada, uma vida não se pode perder mas uma prova sempre existe o ano que vem!!!!
Ainda assim, fomos premiados baseados na nossa última checagem no posto 2, mantendo-se a posição de todos nós que passamos ali. Fiquei muito feliz com meu troféu e para o ano de 2016 muito motivado para aí sim completar todos os 230kms da Cassino Ultra Race. E foi isso meus amigos, uma jornada de 20 horas que me fizeram muito feliz por ter percorrido 126 km sem o auxilio de atleta guia e com a alegria de ter feito muitos amigos neste maravilhose e fantástico universo das Ultra maratonas!!!! Grande abraço a todos!!!!


























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