RETROSPECTIVA 2015 - LUCINARA LUCHESE GUERREIRO
- Lucinara Luchese Guerreiro
- 18 de dez. de 2015
- 6 min de leitura
"Eu fiquei sem poder andar direito por uma semana inteira, mas, foi a mais prazerosa exaustão que eu podia ter conhecido". Emil Zatopek. Com essa frase, desta ilustre personalidade, que parafraseia quase que diariamente o nosso meio, é que começo a minha retrospectiva 2015.

2015, a ano em que me a coragem foi maior, assim como o medo, a força foi maior, assim como os treinos exaustivos, os desafios foram maiores, assim como o amadurecimento de corredor. Foi o ano em que completei 40 anos e me tronei Ultramaratonista, agreguei com isso, ser uma mulher, mãe, profissional e corredora melhor, desde o seu inicio literalmente. Em 31/01/2015, estava prestes a realizar a minha primeira prova acima de 42 km – 80 km em solo gaúcho, prestigiando a nossa saudosa Travessia Torres Tramandaí.
Nervos a flor da pele, frio na barriga, borboletas na garganta, sem falar do estado amedrontador em que me encontrava, por estar ao lado de gigantes, veteranos e conhecedores das nossas areias. A dúvida de capacidade tomou conta de mim até os 40 km da prova, mas não perdia o foco, a fé e o preparo...pois havia treinado muito para estar ali. As condições climáticas estavam favoráveis, tudo estava redondinho para que eu fosse até o fim.
A humildade me fazia agradecer ao Pai do Céu o tempo todo pelo meu feito, até mesmo quando batia o desespero, pois acreditem, ele aparece, em qualquer distância da prova, sem a gente perceber ele se instala. Junto comigo, meus amigos viviam o que eu vivia, achavam que o que eu estava fazendo era “coisa de louco”, ao mesmo tempo exteriorizavam que eu era uma GIGANTE, e isso ainda me dava mais força, a cada posto que passava. Eu sabia, que muitos estavam me esperando lá no final, e isso me fazia ficar resistir às dores e ter a certeza da conclusão dos quase 82 km. E conclui, batia no peito e dizia, “eu sou ultra”.

O tempo passou, trace outro objetivo, o de realizar um sonho em Abril 2015, que tinha desde quando corri pela minha primeira vez os meus 5 km, e comecei a me interessar pelo trailrun, há apenas 3 anos e meio atrás....fui correr na Patagônia, em solo Argentino, mais aí só 42 km, pasmem, eu pensava que seriam só 42 km, porém eu já tinha me tornado ultramaratonista, 42 km na montanha seria fácil.... Estava emocionada demais, desde que cheguei em San Martim de Los Andes minhas lágrimas não resistiam e caiam a todo momento; respirei diferente naquele lugar inóspito, onde a natureza persiste em aparecer em meio de tanta pedra, cinza e montanha....Em contrapartida, aquele local me ensinou com o sofrimento, fez eu me render à humildade, tão necessária para tudo na vida.
Foi lá, que também vivi, uma das maiores frustações...pois o meu joelho direito esquerdo me boicotou desde o 16º km...me deixou na mão, me fez completar a prova sofrendo muito, quase a ponto de desistir. Tive que abrir mão de contemplar todo aquele ambiente lindo, em virtude de trabalho à mente para a tolerância a dor. Neste momento percebi o tamanho da minha imaturidade, o quanto estava carente em técnica para me aventurar num terreno acidentado como a da montanha, e percebi o quanto devemos respeitar o nosso desafio, assim como os limites do nosso corpo. Mas enfim, conclui, batia no peito e dizia, sou “maratonista de montanha”.

Depois do tratamento da lesão do joelho, chegou a vez do – Desafrio – 52 km – minha segunda ultramaratona, em 27/06/15, porém a primeira em montanha. Depois dos exaustivos treinos, chegamos à gélida Urubici, para desafiar seus aclives de declives. E lá estava eu, astuta, firme e forte para completar a prova. Ali experimentei a solidão, a dor, a natureza me mostrou o quanto sou pequena perto dela, o quanto preciso respeitá-la. Como não tinha quase nada de experiência em provas trail e terrenos acentuados, meu joelho voltou a chamar a atenção. Tanto que na descida, que as pessoas usam o clichê “que todo santo ajuda”, fui obrigada a caminhar para conseguir vencê-la. Subi muito bem, mas a descida me machucou bastante.
Nessa prova, me encontrei completamente solitária, mas pude contar com a solidariedade de pessoas que nunca tinha visto, e mantenho vínculo até hoje, pelo simples fato de termos algo em comum – a ultramaratona. Estava quase convencida que era aquela proposta de prova que eu queria para mim, mas precisava aprimorar meus treinos e estudar mais e me adaptar, além de treinos de força, por que minhas canelas finas não resistiriam muito tempo se não reforçasse. Nessa prova foram 07h23min em contato com a natureza.
Com esta experiência me descobri Ultramaratonista de Montanha, que me impulsionaram, para um desafio maior. Em Agosto 2015, fui realizar uma prova que estava na minha agenda desde 2014. Me tornei Ninjarunner na Mizuno UpHill...fui correr a conquistar a Serra do Rio do Rastro com os meus próprios pés. Os que me conhecem sabem, que eu amo “uma lomba”, que aquelas subidinhas bem cascudas me encantam e me lançam o desafio de superá-la.

Pois então, sabia que estava no lugar certo, foi a prova mais feliz, a mais segura, a mais esperançosa, a prova em que percorri a sua totalidade com um sorriso no rosto que nem eu acredito, pois vi tantos parceiros sofrendo, tantos desistindo. Por esta prova respirei fundo, a medida em que os níveis de inclinação iam aumentando, e as curvas “cotovelos” iam chegando, mais segurança eu tinha de que a linha de chegada estava próxima.
Com o som nos ouvidos cantava alto e vibrava, me sentia privilegiada por estar presente neste evento. Ali tive a primeira oportunidade de correr a noite, na penumbra apenas com a minha head lamp, ter a noite como companheira não é nada prazeroso, mas este evento me tornou ainda mais forte, e procurar algo mais desafiador, afinal, agora eu já era Maratonista, Ultramaratonista, Trailrunner e Ninjarrunner.... Foi então que, junto a motivação de um amigo, resolvi me inscrever para o Indomit, e fui com a proposta de realizar os 80 km.

Nesta época, minha vida pessoal estava um tanto quanto conturbada, entre meio da inscrição paga, passei por mudanças importantes, inclusive a troca de treinador. Passei por momentos de intensa tristeza, que me fizeram focar ainda mais nos meus treinos para a conquista do meu desafio....Pedia para o Pai do Céu me mostrar, todos os dias o melhor caminho, e que não me deixasse vencer pela dor sem localização definida que me acompanhava.
Fui atrás de um novo treinador, fui atrás de terreno para treino, com o objetivo de preparar o corpo, acabei descobrindo no meio do mato, que a minha dor vinha da alma. Todos dizem que é no momento de sofrimento é que valorizamos tudo o que nos rodeia, nestes meses de preparação, descobri, digo, me certifiquei que realmente, “sou e sempre fui do morro”, por que ele me deu forças para resistir aos desafios, e com todo o seu poder, lavou e cicatrizou a minha alma, além de me dar força, técnica físicos para enfrentar os 80 km. Nele construí amizades, parceiros de treino e de dores também. Foram várias noites de sono interrompidas para os treinos no frio, mas a sensação de estar conquistando cada passada em contato com a natureza, pagou qualquer sacrifício...
Chegou o dia dela...meu coração ainda continuava apertado, pois as dificuldades eram muitas, sabia que tinha treinando, mas estava prestes a desistir....mas...fui, com apoio dos meus amigos e com a força de que essa iria ser a prova da minha vida...Larguei a noite, trilhas fechadas, animais, mato, aclives intermináveis, declives também, amigos desistindo pelo caminho, simplesmente por respeitarem o corpo, amigos lutando até o fim, um abraço, um sorriso, inesquecíveis no meio do caminho, um combustível para que eu completasse a prova.

Cheguei, e ainda com honrarias de 3º lugar no grande pódio. Ao chegar, eu tive a certeza que estava no lugar certo. Que a minha grande descoberta de 2015 foi de que a montanha me chama, por que faço parte dela. Quando estou com ela, estou em paz, uma revelação que o Pai do Céu me deu, uma oportunidade de levantar a cabeça e enxergar através da corrida que a vida é linda, que sou resistente e valente para superar todas as outras dificuldades pessoais.

O grande desafio de 2016 ainda é segredo...mas com certeza, ele será tão importante como o dia em que corri 5 km pela primeira vez, para nunca perder a humildade. E finalizo como comecei.... "Eu fiquei sem poder andar direito por uma semana inteira, mas, foi a mais prazerosa exaustão que eu podia ter conhecido". Emil Zatopek.
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