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ULTRA FIORD - PROVA - LUCIANE KOHLMANN E TOMAZ PANIZ

Eu sou a Luciane. Tenho 35 anos e corro há menos de 1. Sou amadora, mas bem amadora. Sou daquelas que treino, sigo o planejamento e tento. Não gosto de desistir e sempre busco o meu melhor (embora o meu melhor seja bem abaixo da média da maioria). Talvez seja por isso que correr a Ultra Fiord 2016 fosse o maior desafio desse curto período de provas e corridas!


Meu incentivador é o meu marido, o Tomaz Paniz, um apaixonado por montanhas. Ele faz escalada e montanhismo há uns 20 anos (ou seja, não faltam resistência e condicionamento), e ele conseguiu me contagiar! Até pouco tempo, eu jamais passaria férias no frio ou na neve (muito menos, subiria uma montanha congelante). E atualmente, basta uma folga mais prolongada e um dindin, que lá vamos nós.




Nos inscrevemos na prova de 30km da Ultra Fiord 2016, numa das paisagens mais lindas do mundo - a Patagônia Chilena. O máximo que eu já tinha corrido em trilha era 26.5km. Por isso, a meta era completar, cruzar a linha de chegada. A estratégia era caminhar nas subidas, tirar tempo nas descidas e curtir muito o percurso.


Por causa das condições climáticas severas, a organização precisou alterar os percursos (100 milhas, 100km, 70km e 30km). Apenas os 50km ficaram intactos. O nosso trajeto acabou estendido e com mais altitude. Mas até aí tudo bem.


A largada estava marcada para 8h30 de sábado, próximo à entrada do Parque Torres del Paine, num local sem estrutura e de acesso relativamente difícil. Cerca de 30 corredores foram para lá com transporte próprio (como nós). Mas os ônibus do evento, com a grande maioria de atletas, demoraram muito pra chegar (erraram o caminho, quebraram). Por isso, largamos as 9h, e o restante do pessoal, só as 10h30.




Estava muito frio. O celular marcava cerca de 0 grau, mas a sensação era bem menor. Havia nevado toda noite. Mas sem vento, o frio é bem mais suportável. Eu e o Tomaz estávamos bem agasalhados e tínhamos algumas peças na mochila. Então, estávamos tranquilos. Aquecemos, alongamos e lá fomos nós confiantes.


De início, a chuva nos acompanhou. Frio e chuva. Não é lá muito legal. Corremos bem, mas sempre poupando energia. É que a montanha mais alta era na segunda metade da prova. Então, ficamos mais no trote. De repente, começou a nevar. Aos poucos, a neve foi engrossando. Os flocos eram grandes, algo impressionante. A energia de correr ali era incrível, naquela paisagem patagônica, entre a vegetação já amarelada ou avermelhada por causa da chegada do outono. A neve estava acumulada por todos os lados. E q gente correndo ali. Nunca me senti tão bem.


Eu estava tão bem que decidi brincar, curtir, cantar. Mas perdi a atenção.... Numa das descidas em que eu estava correndo contra a neve, pisei sobre uma pedra solta, quase cai, e acabei torcendo o pé. Era o km 5. Me desesperei.




O bom é que, nessas corridas, todo mundo se ajuda. Uma fisioterapeuta me ofereceu ajuda. Achava que não era nada grave. Um chileno me deu um antiinflamatório que ajudou bastante a reduzir a dor. E assim tive que seguir - sem firmeza no pé esquerdo, com dor, mas com um grande apoio ao lado. E só tinha uma certeza - eu queria terminar, nem que fosse caminhando.


Foi difícil. Ao menos, a neve me distraia .A paisagem nevada era demais. Os flocos chegavam a acumular nas roupas, no capuz, na luva. Me senti numa baita aventura. E assim consegui voltar a trotear. Corri o que pude, e quando a dor vinha forte, caminhava, mancava. Mas o importante era poupar energia, porque eu não queria desistir. A meta inicial era chegar ao posto de hidratação, no km 16 e ver a situação do pé.


E assim chegamos ao posto. Logo fui atendida por um médico que já me tranquilizou e disse que era uma torção. Pediu que eu não colocasse nada de faixa e me liberou. Fiquei super animada por poder seguir. Mas não - ele me corrigiu - a prova terminava ali. Para mim e para todos. Sim, para frustração geral, o percurso foi reduzido pela metade. Havia pelo menos 5cm de neve sobre pedras soltas na montanha. Até a marcação da pista poderia ficar comprometida. Sem contar o vento. A previsão para o Parque Torres del Paine era de rajadas acima de 80km/h.



Enfim - os 30km viraram 16km. Mesmo lesionada, completei em cerca de 2h45. Mas digo com toda convicção - foram 16km inesquecíveis. Vai ser difícil conseguir repetir esta experiência de correr abaixo de tanta neve. Mas esta história eu vou poder contar.


Obs: após escrever este relato, soube que um mexicano das 100milhas faleceu de hipotermia. Haveria pelo menos 3 corredores perdidos na trilha e alguns presos em um refúgio sem poder sair por causa da neve.A organização falhou bastante - informações, controle (não checaram equipamentos obrigatório), postos de hidratação com falhas. Ao meu ver, pode nem ter uma próxima edição.


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